Sobre inflação: “No Brasil, não existe vida cara”

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Por Luiz Felipe Bruzzi Curi para o Blog Brasil Debate – 

A frase, dita por Roberto Simonsen em 1928, foi uma resposta à crítica de que a indústria que se instalava no País geraria inflação. Em 2014, vemos uma atualização desse discurso, que enxerga o fenômeno monetário como problema central da economia brasileira

Em discurso de 1928, Roberto Simonsen – industrial, economista e historiador brasileiro – disse a seguinte frase, em resposta a críticas de que a indústria nacional contribuía para o aumento da inflação: “No Brasil, não existe vida cara, mas, sim, ganho insuficiente, porque o índice de produção é baixo em relação à população e extensão do nosso território”.

O momento era um marco na história do capitalismo brasileiro: a fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP).




Rever este capítulo da história econômica do Brasil, ocorrido há mais de 80 anos, é oportuno num momento em que, uma vez mais, a inflação é trazida à tona como grande ameaça, tanto por veículos de mídia, quanto por analistas de mercado e economistas.

Nos anos 1920, a crítica era que a indústria que se instalava geraria inflação porque, por não contar com um ambiente competitivo, acabaria por praticar preços elevados.

Uma alteração que estava se processando no capitalismo brasileiro – a industrialização – era vista por alguns simplesmente como fonte de inflação: tirava-se o foco das alterações estruturais que um parque industrial poderia trazer ao País para enxergar, apenas, as possíveis pressões inflacionárias causadas por uma indústria “infante”.

Desconectava-se o fenômeno monetário da totalidade da dinâmica do capitalismo.

Ao propor que se prestasse atenção ao “ganho insuficiente”, R. Simonsen ressaltava os entraves estruturais da economia brasileira dos anos 1920: uma economia agrária, com indústria débil, estaria sujeita a sérios problemas – renda nacional baixa, pobreza da maioria dos cidadãos, pouca integração de mercados internos e, inclusive, pressões inflacionárias.

Com os cuidados que se deve ter com o anacronismo, proponho pensar essa proposição feita por Roberto Simonsen em 1928 na perspectiva contemporânea.

Por mais que os contextos históricos sejam distintos, tanto em 1928, quanto em 2014, há um discurso que vê o fenômeno monetário como problema central da economia brasileira: a “vida cara”, nos termos de Simonsen; o suposto “relaxamento” com as metas de inflação, em termos atuais.

Antes de ver o lado do “ganho” na economia brasileira de hoje, convém observar que, como sabem os brasileiros, a hiperinflação pode causar sérios problemas no funcionamento da economia capitalista.

Porém, o movimento dos preços não tem seguido uma espiral de aceleração nos últimos anos segundo dados do Banco Central: desde que se adotou o regime de metas de inflação, em 1999, a inflação, medida pelo IPCA, somente extrapolou a banda superior da meta em 2001, 2002 e 2003.

De 2004 a 2013, o movimento dos preços manteve-se, em todos os anos, dentro dos limites marginais estabelecidos pelo próprio BC. Em 2014, deve atingir o limite superior.

Voltemos à proposição de Simonsen sobre as insuficências. Em 1928, o desafio era internalizar setores industriais ausentes do Brasil, para transformá-lo num país desenvolvido.

Hoje, o Brasil conta com uma estrutura produtiva muito mais complexa do que a do final dos anos 1920, portanto, em alguma medida, o projeto de Simonsen se realizou.

No entanto, grandes desafios se apresentam à sociedade brasileira. Destaco aqui dois deles: desigualdade de renda e baixa produtividade. Com uma distribuição de renda desigual, limitam-se as possibilidades do mercado interno e, por mais que haja crescimento econômico, seus frutos beneficiam grupos muito restritos da sociedade.

A baixa produtividade de certos setores produtivos nacionais torna-os pouco competitivos, o que pode levar a uma série de problemas, como desequilíbrios no balanço de pagamentos e mesmo a eliminação de setores da cadeia produtiva, acarretando perdas de postos de trabalho.

Como estamos caminhando no enfrentamento desses dois problemas? No que tange à desigualdade social, há um consenso de que, embora ainda persistente, ela tem sido reduzida nos últimos anos.

Um fator importante nesse sentido, para além dos programas de transferência de renda, é a regra anual de reajuste do salário mínimo, instituída em 2007, que proporciona ganhos salariais reais ao trabalhador.

Sobre a produtividade, ganhos importantes, de médio a longo prazo, estão sendo obtidos por meio da expansão do ensino superior e dos programas de intercâmbio acadêmico no exterior.

Economistas de diferentes linhagens utilizarão vocabulários distintos para tratar a ideia de produtividade, mas, grosso modo, trata-se da relação entre a quantidade de produto final e os insumos utilizados no processo produtivo.

Uma melhora na produtividade, ou seja, uma modificação nas técnicas que relacionam insumos e produto, é geralmente consequência da incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo.

Ora, um país que, entre 2003 e 2012, aumentou de 3,8 para 7 milhões o número de matriculados no ensino superior, segundo dados do MEC, tem um potencial muito maior de incorporar e criar melhores técnicas produtivas, para além de uma população mais instruída e consciente de sua cidadania.

Retomando o ponto de partida: o movimento dos preços é uma dimensão importante do capitalismo, mas transformá-lo num antolho que impede a observação da totalidade da economia é uma operação que pode conduzir a posturas pouco progressistas: decerto o discurso da “indústria inflacionária” dos anos 1920 não fomentou as mudanças estruturais que ocorreram nesse momento, rumo a uma economia mais diversificada e complexa.

Em 2014, convém lembrar que o Brasil tem dado passos importantes para vencer aquilo que Simonsen, em seu tempo, chamara de ganho insuficiente e baixo índice de produção: a melhora na distribuição de renda e a expansão do ensino superior, sobretudo público, são exemplos de avanços nessa direção.

Para concluir, é importante trazer para o debate político-eleitoral não só a conjuntura, mas, sim, os desafios estruturais – e reforço minha aposta no projeto petista, por sustentar encaminhamentos progressistas para alguns desses desafios.

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