Sylvia Earle: ‘Proteger o oceano é proteger a vida’

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Oceanógrafa de 87 anos veio ao Rio para evento sobre a crise climática na semana em que novos estudos mostram aquecimento dos oceanos

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: A oceanógrafa Sylvia Earle em mergulho nas Ilhas Cagarras: ‘proteger o oceano é proteger a vida’ (Foto: Projeto Ilhas do Rio / divulgação)

O evento no Rio de Janeiro já estava marcado há semanas – com a presença da oceanógrafa Sylvia Earle, de 87 anos, pioneira de pesquisas sobre a vida marinha e Fundadora da Aliança Internacional Mission Blue – mas coincidiu com duas alarmantes notícias sobre os oceanos: Junho de 2023 estabeleceu um recorde para a maior anomalia mensal de temperatura da superfície do mar de qualquer mês no recorde de 174 anos da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, do governo dos EUA); e um novo estudo apontou que o sistema da Corrente do Golfo pode entrar em colapso já em 2025 – o fechamento das correntes oceânicas vitais, chamado pelos cientistas de Circulação Meridional do Atlântico (Amoc), traria impactos climáticos catastróficos. “Todos os dias, temos notícias ameaçadoras sobre os oceanos e a vida na Terra. Nós precisamos dar uma folga no planeta”, disse Sylvia Earle, durante sua palestra no Rio.

O evento ‘Oceano e Clima – A conservação marinha no combate às mudanças climáticas no Brasil’ – organizado pelo Climate Hub, centro de estudos do clima do Columbia Global Centers Rio, o Projeto Ilhas do Rio e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima do Rio reuniu cientistas e ambientalistas no Forte Copacabana. “Os próximos 10 anos vão definir como serão os próximos 10 mil anos no planeta. Nós temos o conhecimento e a tecnologia – que não tínhamos na época da Rio-92. Mas precisamos mudar de rumo e parar de machucar o planeta e começar a curá-lo. Certamente, nossa Terra já mostrou que é capaz de se recuperar sozinha mas, para isso, é preciso dar um tempo para o planeta”, enfatizou a oceanógrafo de 87 anos que mergulhou pela primeira vez em 1952 e nunca mais deixou de estudar e defender os oceanos e a biodiversidade marinha.

Nós sabemos hoje que o oceano está totalmente ligado ao clima, porque é essencial para o equilíbrio planetário, para a temperatura da Terra. A maioria da vida está no oceano e grande parte desses animais e plantas nós sequer conhecemos. Temos um dever de preservar a vida

Sylvia Earle

Oceanógrafa

Antes da palestra da convidada internacional, cientistas brasileiras apontaram a importância do oceano para o enfrentamento da crise climática. A bióloga marinha Priscila Lange, pesquisadora da UFRJ e integrante da Rede Nacional de Observação e Monitoramento Oceânico, destacou que o oceano cobre 71% da superfície do planeta. “O oceano absorve e armazena seis milhões de toneladas de carbono da atmosfera por ano; é um armazenamento de carbono 50 vezes que a atmosfera armazena e 20 vezes maior do que o armazenado por plantas e o solo. O carbono absorvido pelo oceano fica armazenado ali e não volta para atmosfera. Os oceanos são o maior sumidouro de carbono do planeta”, frisou a pesquisadora.

Priscila Lange enfatizou que o sequestro de carbono pelos oceanos são fundamentais para o clima da Terra, explicando que organismos – algas marinhas microscópicas, o fitoplâncton, e plantas e macroalgas dos sistemas costeiras – em toda a superfície oceânica fazem fotossíntese e absorvem gás carbônico da atmosfera. “O fitoplâncton oceânico tem uma eficiência de assimilação de gás carbônico 100 vezes maior do que as plantas terrestres”, afirmou a cientista, acrescentando que esse carbono armazenado no fitoplâncton é consumido pelos animais marinhos e acaba no fundo do mar, não voltando para a atmosfera.

Essas mudanças no oceano e no clima podem ser diminuídas e evitadas e temos soluções para isso. Mas é preciso ter pressa para limitar o aquecimento global, temos que agir rápido para zerar as emissões

Leticia Cotrim

Pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Oceanografia Química da Uerj

A bióloga marinha também frisou a importância dos manguezais e outros sistemas costeiros (pradarias marítimas, florestas de kelps, marismas) para o sequestro de carbono da atmosfera. “Esses ecossistemas são chamados de florestas azuis porque sequestram 35 vezes mais carbono que uma floresta tropical. Esse carbono pode ficar armazenado por um longo tempo, por mais de mil ano. É fundamental a preservação desses ecossistemas para que esse carbono não volte para atmosfera”, apontou.

A pesquisadora Priscila Lange também explicou que esses ecossistemas são extremamente sensíveis às mudanças de temperatura e que já há projetos em várias partes do mundo de créditos de carbono azul – através da restauração e expansão de florestas azuis e de proteção e conservação desses ecossistemas. “O aquecimento dos oceanos ameaça todo este processo de captura de carbono porque reduz a capacidade de absorção dos microorganismos, mata animais marinhos que consomem esses microorganismos e afeta os sistemas costeiros”, afirmou a biólogo após a palestra.

Camila Pontual, do Climate Hub, Leticia Cotrim, da Uerj, Priscila Lange, da UFRJ, e Jemilli Viaggi, da Rede Oceano Limpo, em debate no Forte Copacabana: impacta do aquecimento dos oceanos na crise climática (Foto: Oscar Valporto)
Camila Pontual, do Climate Hub, Leticia Cotrim, da Uerj, Priscila Lange, da UFRJ, e Jemilli Viaggi, da Rede Oceano Limpo, em debate no Forte Copacabana: impacta do aquecimento dos oceanos na crise climática (Foto: Oscar Valporto)

No mesmo painel sobre a interconectividade do oceano, a geoquímica, pesquisadora e professora Leticia Cotrim, coordenadora do Laboratório de Oceanografia Química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) também já havia alertado da importância do oceano como “sumidouro do excesso de gás carbônico produzido pela humanidade” desde a Revolução Industrial. “Tudo está acontecendo muito rápido. Os oceanos já estão sofrendo os efeitos da crise climática. E essas mudanças que já ocorreram no oceano não são reversíveis no tempo de vida de uma pessoa, de 80 anos ou 90 anos”, enfatizou.

A pesquisadora destacou que um oceano mais quente significa maior acidez e menos oxigênio. “Além da acidificação e da desoxeginação que estão em curso, outra coisa muito assustadora, particularmente para um país como o Brasil com mais de oito mil quilômetros de linha de costa é o aumento do nível do mar”, afirmou Letícia Cotrim, mostrando as projeções do IPCC para a Ilha Fiscal, na Baía de Guanabara, onde o mar poderia subir quase um metro até 2100.

A geoquímica destacou as ameaças à biodiversidade marinhas pelas mudanças climáticas – mais acidez e menos oxigênio nos oceanos – e também pela poluição e pela pesca predatória. “Essas mudanças no oceano e no clima podem ser diminuídas e evitadas e temos soluções para isso. Mas é preciso ter pressa para limitar o aquecimento global, temos que agir rápido para zerar as emissões. Temos que mudar essa matriz energética que produz tanto gás carbônico e outros gases de efeito estufa para atmosfera”, afirmou Letícia Cotrim.

O mesmo senso de urgência foi enfatizado pela oceanógrafa Sylvia Earle. “É como se você estivesse numa consulta médica e, após o exame, recebesse o diagnóstico. Se você não mudar agora, seu tempo será muito curto”, destacou a pioneira da luta pela preservação dos oceanos, que, às vésperas da palestra, mergulhou na área do Monumental Natural das Ilhas Cagarras, no litoral do Rio. “Nós sabemos hoje que o oceano está totalmente ligado ao clima, porque é essencial para o equilíbrio planetário, para a temperatura da Terra. A maioria da vida está no oceano e grande parte desses animais e plantas nós sequer conhecemos. Temos um dever de preservar a vida”, afirmou a norte-americana de 87 anos que, em 1979, bateu o recorde mundial de mergulho autônomo, descendo a 381 metros de profundidade.

Com sua experiência subaquática, a oceanógrafa fica indignada com os projetos de mineração no fundo do mar. “Estão querendo explorar uma região que não conhecemos, não sabemos que tipo de vida animal e vegetal existe ali. Essa mentalidade de explorar e explorar é que precisar mudar agora se quisermos permanecer no planeta”, afirmou Sylvia Earle. “O oceano é uma fábrica de vida. Proteger o oceano é proteger a vida. E nós precisamos de uma ação conjunta e permanente para proteger o oceano, o planeta, a vida”, enfatizou.

Gerente de Projetos do Climate Hub Rio, Camila Pontual explicou que o objetivo do evento foi exatamente dar mais visibilidade à necessidade de preservação dos oceanos, para valorizar seu papel no enfrentamento das mudanças climáticas. “O oceano é o verdadeiro pulmão do mundo. Eles não só capturam o carbono, como asseguram que o elemento químico fique ali, a tecnologia mais importante que temos de mudança climática, para combater os gases de efeito estufa”, afirmou.

Novos alertas sobre aquecimento

A NOAA, em seu balanço mensal sobre o clima global, destacou que pelo terceiro mês consecutivo, a temperatura global da superfície do oceano atingiu um recorde. As condições do El Niño, surgidas em maio, continuaram a se fortalecer em junho, quando as temperaturas da superfície do mar acima da média retornaram ao Oceano Pacífico equatorial. Globalmente, junho de 2023 estabeleceu um recorde para a maior anomalia mensal da temperatura da superfície do mar de qualquer mês no recorde de 174 anos da NOAA.

De acordo com a agência do governo dos EUA, junho de 2023 também estabeleceu um recorde para a menor extensão global de gelo marinho para o mês. Isso foi causado principalmente pela redução do gelo marinho na Antártica, que viu seu segundo mês consecutivo com a menor extensão de gelo marinho já registrada. Globalmente, a extensão do gelo marinho em junho de 2023 foi de 330 mil milhas quadradas a menos do que o recorde anterior de junho de 2019.

Sobre as correntes da Circulação Meridional do Atlântico (Amoc), o novo estudo, publicado na revista Nature Communications, usou dados de temperatura da superfície do mar que remontam a 1870 como um proxy para a mudança na força das correntes Amoc ao longo do tempo. A nova análise estima uma escala de tempo para o colapso entre 2025 e 2095, com uma estimativa central de 2050, se as emissões globais de carbono não forem reduzidas. Evidências de colapsos anteriores indicam mudanças de temperatura de 10°C em algumas décadas, embora tenham ocorrido durante as eras glaciais.

A Amoc carrega a água quente do oceano para o norte em direção ao pólo onde esfria e afunda, impulsionando as correntes do Atlântico. Mas um influxo de água doce proveniente do derretimento acelerado da calota de gelo da Groenlândia e de outras fontes está sufocando cada vez mais as correntes. Um colapso da Amoc teria consequências desastrosas em todo o mundo, interrompendo severamente as chuvas das quais bilhões de pessoas dependem para se alimentar na Índia, América do Sul e África Ocidental. Isso aumentaria as tempestades e diminuiria as temperaturas na Europa e levaria ao aumento do nível do mar na costa leste da América do Norte. Também colocaria em perigo ainda mais a floresta amazônica e os mantos de gelo da Antártida.

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